Motores e câmbios Automotivos Dicas e mini cursos de mecânica automotiva motores e câmbios ,tutoriais e dicas sobre correia dentada e defeitos que muitas vezes podem ser resolvidos da sua própria casa uma vasta gama de diagramas totalmente gratuitos
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Brasinca Uirapuru carros tuning mecanica caseira
Com motor de caminhão e até testes de aerodinâmica, o Brasinca 4200 GT foi um legítimo grã-turismo nacional.
Nestes dias de globalização, em que a maioria dos projetos de automóveis vem do exterior, parece inacreditável a capacidade de alguns brasileiros de criar e produzir, já nos primeiros anos de nossa indústria, modelos esporte tão bons quanto muitos importados da época. Esse foi o caso do Brasinca 4200 GT ou Uirapuru, que teve particularidades como carroceria de aço feita à mão e testes de aerodinâmica em túnel de vento.
Rigoberto Soler Gisbert, um espanhol radicado no Brasil, ingressou no ramo automobilístico na Vemag, fabricante da linha DKW, onde chegou a projetar uma perua utilitária que ficou na fase de protótipo. Mais tarde esteve na Willys-Overland, envolvido no desenvolvimento de um carro-esporte maior que o Interlagos, com a mecânica de seis cilindros e 2,6 litros do Aero-Willys. Conhecido como Capeta, o carro chegou a ser apresentado no IV Salão do Automóvel, em 1964, mas nunca entrou em produção.
O desejo de Soler de produzir um esportivo de alto desempenho já ficava evidente no Capeta, este cupê que ele projetou para a Willys, nunca produzido. Observe as semelhanças de desenho
Depois da Willys, Soler trabalhou na Brasinca S.A. - Ferramentas, Carrocerias e Veículos, empresa fundada em 1949 que fabricava carrocerias para caminhões e ônibus em São Caetano do Sul, SP. Da Brasinca havia saído a cabine do primeiro caminhão brasileiro, o FNM ("Fenemê"). Mas ela nunca havia feito automóveis.
Assim, foi bem recebida a idéia de seu novo chefe do departamento de Engenharia de Produtos -- Soler -- de projetar e produzir um cupê de grande cilindrada e alto desempenho, algo ainda inédito na indústria nacional, já que o Interlagos tinha um pequeno motor de 845 cm3. O projeto, denominado X-4200, logo ficaria conhecido como Uirapuru, nome de um pássaro silvestre da Amazônia.
Não havia plataforma ou mecânica de automóvel de um grande fabricante a utilizar. Soler, então, desenvolveu um chassi de vigas de aço leves e resistentes e recorreu ao motor dos caminhões Chevrolet
Soler não partiu de um chassi já conhecido, como o fariam dezenas de fabricantes de carros fora-de-série nas décadas seguintes. O Uirapuru nascia a partir de um monobloco com chassi de vigas ocas, tipo caixa, de chapas de aço finas e resistentes -- tanto que já previam a possibilidade de uma versão conversível. Embora na época já se usasse plástico reforçado com fibra-de-vidro em carrocerias especiais, incluindo a do próprio Interlagos, Soler optou por chapas de aço, moldadas à mão sobre gabaritos em vez de prensadas. Carros fora-de-série brasileiros inspirados em esportivos estrangeiros, ou mesmo copiados deles, existem às dezenas. Mas a reprodução de elementos de estilo de um legítimo nacional -- o Uirapuru/4200 GT -- por uma empresa européia é sempre motivo de surpresa. Pois é o que muitos acreditam ter ocorrido, sem licença ou autorização, com a inglesa Jensen e seus cupês FF e Interceptor. Basta comparar suas fotos (ao lado) às do brasileiro para perceber a clara inspiração, tanto no conjunto quanto em detalhes como a protuberância central do capô, as janelas laterais e o vidro traseiro. O Brasinca estava em nosso salão em 1964 e o Jensen seria apresentado apenas dois anos depois -- tempo o bastante para dar uma espiada no desenho alheio.
O resultado foi apresentado no mesmo IV Salão, em 1964: uma carroceria moderna e elegante, com a cabine recuada e o longo capô típicos dos carros-esporte. A frente baixa e agressiva exibia dois faróis redondos e as luzes de direção nos extremos, além de uma tomada de ar no centro do capô. Atrás das rodas dianteiras vinham saídas de ar, aplicadas a um recesso que tinha continuidade como um vinco por toda a lateral do veículo.
Capô longo, traseira curta com vidro bem envolvente, grandes rodas: um esportivo ao
estilo de modelos famosos da Europa e dos EUA, como o Corvette da própria Chevrolet
As portas exibiam um formato inovador, avançando alguns centímetros sobre a capota, o que facilitava o acesso ao baixo automóvel -- algo que só apareceria duas décadas depois no Uno, em menor grau. Curiosa também era a abertura do capô do protótipo: elevava-se por igual, sustentado nos quatro cantos. Nos modelos de série, porém, seria adotada a abertura convencional para a frente. O retrovisor único ficava bem adiante do pára-brisa. A traseira, em formato fastback e com pequenas lanternas, tinha um vidro bastante envolvente e abaixo dele uma mínima tampa do porta-malas -- modo de dizer, já que o grande estepe o ocupava em boa parte.
No interior, um largo console central ladeados por bancos reclináveis, painel completo com sete instrumentos (incluindo manômetro de óleo, voltímetro e conta-giros), revestido em madeira jacarandá, e volante esportivo Walrod de três raios. Atrás dos bancos havia (pouco) espaço para bagagem. Algumas limitações incomodavam, como as ausências de sistema de ventilação, cinzeiro e acendedor de cigarros.
No interior esportivo, com largo console, volante de três raios e painel completo, o toque de requinte do revestimento em jacarandá. Mas não havia cinzeiro ou sistema de ventilação
E a mecânica? Não havia um automóvel nacional com potência e torque adequados aos objetivos do carro. A solução foi usar o motor de seis cilindros em linha e 4.271 cm3 dos picapes e caminhões Chevrolet Brasil e da perua Amazona, com 142 cv de potência bruta. Mantendo até mesmo a taxa de compressão original, de 7,3:1, Soler apenas substituiu o carburador único por três SU H4, iguais aos do Jaguar britânico, passando a 155 cv brutos a 4.000 rpm. O motor, antigo e dotado de somente quatro mancais, não estava à altura do temperamento do 4200 GT. Um pouco mais e chegaria o seis-cilindros Chevrolet de sete mancais, com o Opala 3800.
O torque, como se esperaria de um motor de utilitários, era elevado (32,7 m.kgf brutos a 3.200 rpm) e disponível desde baixas rotações. Oferecido como opcional, o comando de válvulas bravo C4, da americana Iskenderian, aumentava a potência bruta para 166 cv sem grande prejuízo ao torque. A caixa de câmbio Clark de três marchas, com embreagem de comando hidráulico, e o eixo traseiro/diferencial eram nacionais.
A carroceria era de aço moldada à mão. Pelo desenho percebe-se a dificuldade
em alojar sob o baixo capô o grande motor de seis cilindros e os três carburadores SU
O restante do conjunto era tradicional: suspensão dianteira de braços desiguais sobrepostos, traseira de eixo rígido (ambas com mola helicoidal), freios a tambor da perua GM -- consta que não se usaram discos porque importá-los fugiria da proposta nacionalista do carro -- e pneus HS de medida 175 x 400 (os mesmos do FNM 2000 JK), isto é, o diâmetro do aro correspondia a 15,7 pol. A distribuição de peso ficava muito próxima dos ideais 50% por eixo, mas sua tendência em curvas era sobresterçante, saía de traseira.
Denominado Brasinca 4200 GT, o esportivo chegava ao salão com o mérito de ter atingido, pouco antes, 200 km/h em testes no Autódromo de Interlagos, hoje José Carlos Pace, em São Paulo, SP. A primeira marcha chegava a 100 km/h e a segunda a 150, mesmo sem recorrer ao diferencial mais longo disponível como opção. Contudo, ao ser apresentado ainda faltavam inúmeros acertos para que pudesse chegar ao mercado.
A cada mudança de marcha ganhava-se capacidade para mais 50 km/h. A terceira e última o fez ultrapassar os 200 em Interlagos, um recorde nacional que só seria batido nos anos 90 pelo Omega
Pagou, levou e sumiu Os dois protótipos existentes passaram então por uma bateria de testes, incluindo um jamais feito no Brasil com automóveis: análises de aerodinâmica no túnel de vento do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, em São José dos Campos, SP. O teste, feito com um modelo em escala 1:4, apontou a necessidade de alterações na altura e posição dos pára-choques e de um alongamento de 30 cm no cano de escapamento, para fugir da zona de turbulência que se formava atrás do carro e não haver risco de entrada de gases no interior do veículo.
A produção em pequena série, sob encomenda, começava em março de 1965. Publicação da época conta que o primeiro comprador, um gaúcho da cidade de Quaraí, próxima à uruguaia Artigas, aguardou para retirar o carro na fábrica logo que ele saísse da linha de produção. Pagou adiantado, dispensou qualquer tipo de garantia, pediu um pára-brisa de reserva e desapareceu. Depois disso, apenas enviou um telegrama dizendo que o Brasinca era ótimo nunca mais respondeu às insistentes cartas da empresa.
Os faróis redondos destoavam do conjunto, mas o desempenho era irrepreensível. Do nome aos componentes mecânicos, um projeto brasileiro com orgulho
Apresentado pela publicidade como o único Grã-Turismo fabricado no Brasil, um "puro-sangue potente, elegante e de alta performance", o 4200 GT acelerava de 0 a 100 km/h em 10,4 s, conforme teste de publicação da época. Atingiu 50 unidades fabricadas em um ano, mas a Brasinca entendia que uma escala tão reduzida não era viável para o tipo de empresa, optando por transferir os direitos de produção a terceiros.
Não foi difícil encontrar a empresa ideal: a STV, Sociedade Técnica de Veículos, que vinha projetando automóveis mas ainda não os fabricava. Um de seus diretores era ninguém menos que Rigoberto Soler, o criador do 4200 GT; os outros eram Walter Hahn Jr. e Pedro dos Reis Andrade. Sua primeira providência foi resgatar o nome de projeto -- Uirapuru -- com o qual o carro havia ficado conhecido numa época em que os brasileiros se orgulhavam mais das criações nacionais.
No Salão de 1966 Soler apresentava, sobre a base do Uirapuru, um carro de alto desempenho para o patrulhamento rodoviário. O Gavião era praticamente um furgão, com a mesma frente do cupê, mas blindado (incluindo os vidros), com duas metralhadoras embutidas na grade, acionadas a bordo, e uma maca na traseira.
O carro não passou da fase de protótipo, mas uma história não-confirmada diz que este foi doado ao 1°. Grupamento de Polícia Rodoviária, na Via Anchieta, e utilizado por algum tempo. Conta ainda que o carro desapareceu e que, se encontrado, poderia tornar-se o nacional antigo de maior valor, já que era exemplar único.
Evolução para as pistas Ao retomar a fabricação, em maio de 1966, Soler decidiu criar uma equipe de competição para ajudar a divulgar o carro. Uma versão mais potente, a 4200 GT S, foi desenvolvida para esse fim. Trazia taxa de compressão mais alta (8:1), comando de válvulas mais "bravo" e três carburadores Weber SJOE, que levavam a potência bruta a 171 cv a 4.800 rpm. Para explorar melhor o motor mais agressivo eram usados um câmbio de quatro marchas do Chevrolet Corvette, diferencial autobloqueante e pneus mais largos. Chegava a 210 km/h.
Apenas 76 unidades foram produzidas, somando-se Brasinca e STV. Motor potente e freios modestos ajudaram a tornar o Uirapuru uma raridade nos encontros de carros antigos, como este de São Lourenço, MG em 2001
A evolução não parou por aí. Pouco depois surgia outra versão para corridas, a 4200 GT SS, com 6 cv adicionais, comando de válvulas Iskenderian, diferencial mais longo, freios a disco, rodas de tala 7 pol e pneus de 210 mm de seção. Alcançava notáveis 230 km/h. A reestréia foi na Mil Quilômetros de Interlagos, pilotado pelo próprio Hahn e pelo jornalista e piloto Expedito Marazzi. Hahn foi campeão paulista da categoria Esporte, Grã-Turismo e Protótipo.
No V Salão do Automóvel, em novembro e dezembro de 1966, o cupê da STV era apresentado com faróis assimétricos (com facho baixo mais longo à direita, para ofuscar menos), retangulares e mais integrados ao desenho frontal, escapamento com saída única e menor nível de ruído, painel e maçanetas redesenhados e rádio como equipamento de série. O motor de rua ganhava 7 cv, passando a 162 cv brutos a 4.500 rpm. Eram apresentados também o Gavião e o Uirapuru conversível, que teve apenas três unidades produzidas para venda.
Ao assumir a produção a STV apresentou um conversível, no salão de 1966, já com os novos faróis retangulares. Mas apenas três foram fabricados.
Ficha técnica - Brasinca 4200 GT cupê (1965)
MOTOR - longitudinal; 6 cilindros em linha; comando no bloco, 2 válvulas por cilindro. Diâmetro e curso: 95,25 x 100,06 mm. Cilindrada: 4.271 cm3. Taxa de compressão: 7,3:1. Potência máxima bruta: 155 cv a 4.000 rpm. Torque máximo bruto: 32,7 m.kgf a 3.200 rpm. Três carburadores SU H4.
CÂMBIO - manual, 3 marchas; tração traseira.
FREIOS - dianteiros e traseiros a tambor.
SUSPENSÃO - dianteira, independente, braços sobrepostos, mola helicoidal, estabilizador; traseira, eixo rígido, barra Panhard, mola helicoidal.
DIREÇÃO - de setor e sem-fim, sem assistência.
RODAS - pneus 175 x 400.
DIMENSÕES - comprimento, 4,35 m; largura, 1,8 m; altura, 1,26 m; entreeixos, 2,591 m; peso, 1.180 kg.
DESEMPENHO - velocidade máxima, cerca de 200 km/h; aceleração de 0 a 100 km/h, 10,4 s.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário